sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Os Corsários de Macau - A lenda dos galeões infernais (Parte III)

Quando saiu da taverna, seus pensamentos enferveciam em sua cabeça. Explodiam em seus nervos, mais de mil a cada batimento cardíaco. Tantas perguntas, tantas dúvidas, tantos temores. O tal de Camões era realmente brilhante, como podia saber tanto de uma região tão isolada? Falara como um mestre a um pequeno aprendiz - e isso irritou João de certa forma -, porém cada palavra era tão sedutora que chegou um momento em que o capitão não mais importou para a estranha arrogância do poeta. Quanto conhecimento ele detinha sobre os amarelos! O imperador deles era fraco e incapaz de lidar com a ameaça dos piratas, se encolhia no interior do país, mantendo leis estúpidas que reduziam seu poderio naval, enquanto os criminosos assolavam a costa. João sorriu frente a decadência de um rival, o comércio estava ali, só esperando que Portugal o dominasse. A possibilidade de lucro fácil iluminou a face do jovem mercador.

Chang Tse-Lac. O nome cortou seus pensamentos gloriosos, tornando suas feições amargas. O homem era o dono do Mar do Sul da China e, ao que parece, não gostava muito de competição pelas riquezas da região. Camões relatara a banalidade de se encontrar corpos impalados, desmembrados e enforcados ao longo do litoral. O pirata não aceitava a presença de outros navios que não fizessem parte de sua frota maldita. João sentiu um friozinho tocando-lhe a espinha. Além de tudo, ainda havia o transe aterrador que dominara o poeta por um curto, porém memorável, espaço de tempo. O que significou aquilo? algum tipo de aviso? João não podia dizer e nem mesmo Camões, já que o homem se comportara como se nada houvesse acontecido.

Algo na cabeça do capitão não parava de martelar. É uma aviso, algo de terrível vai acontecer, faça alguma coisa... João apertou o crânio violentamente, como se tentasse expulsar os pensamentos à força. Então paralizou-se. A imagem das Musas retornou à sua mente. Será que elas inspiram homens comuns também? Ou ele seria um poeta? Riu alto da idéia súbita. Porém a figura de um ser supremo lhe contando sobre o tecer do destino ainda o incomodava. Pensou no que Pero diria sobre isto. O jesuíta provavelmente daria umas boas gargalhadas, então ralharia sobre as crendices pagãs que os marinheiros insistiam em perpetuar, terminando o discurso com algum jargão cheio de positividade. O otimismo de Pero tocava João, porém parecia pouco efetivo ultimamente e o capitão não conseguia compreender porque ele ainda o mantinha.

Não completara o décimo passo para longe do "Sereias de A-Má", quando a larga e afobada figura do Sr. Alcântara dobrou uma esquina próxima, sentindo-se claramente aliviado ao ver o capitão da Mercúrio.

-João! Graças a Deus te encontrei! - exclamou o velho, cumprimentando o homem com a mão gelada e cheia de suór.

-O que foi, Sr. Alcântara? Algo de errado?

João sentiu o coração acelerar ao lembrar das sombrias palavras de Camões. Segurou o punho da espada com força.

Ao perceber a reação do capitão, o velho mercador tratou logo de remediar a situação:

-Por Deus, não! - um leve rubor tocou sua face - desculpe meus modos, certamente não quis preocupá-lo. Mas é que minha preciosa filha preparou um delicioso jantar para você, e... E ele está esfriando.

A tensão do momento foi cortada por gargalhadas secas. Jõao riu até que lágrimas despontassem de seus olhos. O Sr. Alcântara logo o acompanhou, deixando de lado todo o temor que lhe abatera ao ver o jovem capitão empertigar-se como um selvagem guerreiro pronto para o combate.

-Por um momento achei que... - João suspirou fundo, achando melhor poupar o velho de histórias de piratas - Bem... Não importa mais. O que importa é que eu poderia comer um boi agora!

O velho enlaçou o braço em volta dos ombros de João amigavelmente, guiando-o pelo emaranhado de casebres de pedra até sua humilde residência.

-Que bom, pois minha filhinha faz o melhor bacalhau das redondezas!

Nenhum comentário:

Postar um comentário